segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Disciplinar com amor

    Conheça a perspetiva de Paulo Oom sobre a importância de educar a criança promovendo a disciplina como algo natural na sua vida e na dos pais. Porque as regras não têm de ser necessariamente sérias e "sisudas".



     No que toca à educação, uma das principais ideias que nos transmite é que, em casa, deve haver um ambiente familiar que promova, em conjunto, o amor e a disciplina. Esta última num sentido construtivo e de dar as ferramentas necessárias aos filhos para que, desde cedo, possam ser ajudados a crescer e a conhecerem-se a si próprios.

O que quer aconselhar aos pais que se preparam para ter um bebé?

    Quando um bebé nasce, há a ideia de que os pais passam a viver em função daquela criança. O que tento transmitir é o oposto. As crianças e os filhos são uma coisa muito importante na nossa vida, mas não são a única. Muitas vezes o próprio casal deixa de viver como tal, para viver só para o bebé. Embora os pais possam pensar que é bom, porque estão a dar-lhe toda a atenção e carinho que merece, é importante ver as coisas noutra perspetiva, que é os pais viverem como um modelo para os filhos, em termos daquilo que os filhos vão ser quando forem mais crescidos, e seguramente que nenhum deles vai querer que a criança que estiver com eles, quando for um adulto, também viva exclusivamente para os seus filhos.

É importante que as crianças tenham essa noção delas próprias?

    É importante que os filhos percebam que os pais, para além de lhes dedicarem muito tempo, de os amarem muito e de se divertirem com eles, têm também tempo para eles próprios, têm os seus hobbies, vão jantar fora, vão ao cinema, no fundo deve transmitir-se aos filhos um determinado estilo de vida e forma de estar mais equilibrada e harmoniosa. Não é bom para as crianças que os pais passem a viver única e exclusivamente em função delas. Quando isso acontece, elas pressentem-no e carregam um enorme stress.

As crianças devem portanto aprender a ser autónomas?

    Muitos pais, hoje em dia, são quase como bombeiros e polícias de tudo o que se passa com a criança. A criança não aprende com os seus atos, porque os pais estão sempre lá para ajudar. E pensam que com  isso estão a fazer o melhor papel possível, mas não é verdade. Há muitos pais que ficam muito chocados com o deixar que as crianças aprendam com os seus próprios atos. Sempre que a segurança ou a saúde física e mental da criança não esteja em perigo, não tem mal nenhum que isso aconteça. Pelo contrário, os pais devem deixar a criança aprender com as consequências dos seus atos. Isto dá à criança uma maior autoconfiança e uma maior autoestima, porque ela consegue a dada altura perceber "Eu sou capaz de resolver os meus problemas". É importante que as nossas crianças não sejam dependente dos pais, mas independentes deles, que tenham a sua autonomia, senão  não vão estar preparadas para um dia mais tarde resolverem os seus próprios problemas, seja na escola, seja na vida adulta com os seus próprios filhos e com a família.

Há diferentes perspetivas de educar. A seu ver, o que importa salientar?

    Não há uma fórmula mágica que funciona com todas as crianças. Cada criança tem o seu temperamento, e os pais, conhecendo o temperamento dos seus filhos, têm que adaptar a sua forma de atuar de modo a ir ao encontro das caraterísticas dos filhos.Os pais também têm temperamentos diferentes, há pais que lidam melhor com determinadas coisas do que com outras.
O ideal é que tenham alguma autoridade sobre os filhos, mas que os deixem tomar as suas próprias decisões num processo gradual, desde que a criança nasce até ser adolescente.

Como funciona este processo que vai do nascimento à adolescência?

    Quando a criança nasce, é claro que 100% é controlo dos pais. Quando chega à adolescência, 100% é influência dos pais -  o que são coisas completamente diferentes.
   Ao longo do crescimento da criança, cada vez mais vai havendo menos controlo e mais influência dos pais. Normalmente, é por volta dos 8 ou 9 anos que há tanto de controlo como de influência.
A influência significa negociar, dar a nossa opinião, que a criança segue ou não, consoante as circunstâncias. É preciso este equilíbrio. Há pais que são "pais de influência" logo desde o nascimento, o que é um erro. Há pais que são "pais de controlo" ao nascimento, mas que depois não conseguem fazer a transição para a adolescência da criança em termos de mais negociação. É importante que dentro deste contexto haja alguma autoridade.

Na sua opinião, a partir de que idade se devem começar a impor limites?

   Uma criança consegue aprender limites e regras por vezes a partir de um ano e meio, seguramente a partir dos 2 anos (dizendo "não", "não mexas aí"). Em termos de regras mais básicas (por exemplo, não magoar o irmão, não dizer palavrões), a criança entende-as muito bem a partir do segundo ano de vida.
É fundamental que a criança participe na elaboração das regras, que seja ouvida a sua opinião. Não quer dizer que se faça tudo o que ela que, mas se for conversado com calma, explicando as vantagens e desvantagens de cada uma das atitudes, se a criança for tida em conta na elaboração da regra, ela sente que a regra é também dela, pois também, a ajudou a construir. A regra passa a ter utilidade, e depois é estipulada uma consequência para o caso de a regra não ser cumprida.

E se a regra não for cumprida, que tipo de atitude podem os pais ter?

    Quando a regra não é cumprida, não é altura de negociação. A negociação faz-se quando estamos a elaborar a regra. Quando a regra é desobedecida, então surge a consequência (que pode ser, por exemplo, ficar de castigo). Negociar a regra quando não foi cumprida é um erro. Pode haver mais tarde uma nova negociação, mas nunca na altura em que a regra é quebrada, senão o que acontece é que a criança não vai levar os pais a sério. Quando tudo o que os pais dizem é negociado, a sua autoridade acaba por ficar comprometida.

Pode falar-nos da sua perspetiva da disciplina e do amor?

    Não são polos opostos. A noção que muitos pais têm de disciplina é que é um termo com uma conotação muito negativa, pois acham que a disciplina significa punir, pôr de castigo, dar uma palmada. Essa noção de disciplina existe muito na nossa sociedade, mas é uma palavra que vem de discípulo, que é aquela que aprende. A disciplina significa muito mais ensinar e dar o exemplo do que punir, 90% da disciplina dos pais deve ser prevenção (que sirva de modelo aos filhos) e 10% de punição, e nesta perceção de disciplina como algo positivo, ela não é oposta ao amor, é um complemento do que os pais sentem pelos filhos.

Como pode a disciplina ser promovida com amor?

    Grande parte da disciplina pode ser feita no dia a dia com métodos de diversão em que os pais se divertem com as crianças enquanto explicam as regras, colocando-a em prática, portanto não tem de ser algo necessariamente muito sério e muito sisudo. A disciplina pode ser imposta naturalmente fazendo parte da vida daquela criança de uma forma calma, tranquila, serena, sem ser preciso incutir medo na criança. A criança sente que aquelas são as regras normais com que os pais vivem e que fazem parte da sua vida.

Os pais vão ter adversidades ao longo do percurso que se avizinha. Como aconselha a lidar com isso?

    Primeiro, é inevitável que a criança se vá portar mal . Segundo, é saudável que a criança se porte mal. Ao estar a "esticar a corda" ou a fazer uma birra, ela está a aprender o que se passa à sua volta, sobre o seu próprio temperamento e o temperamento dos pais. Não é isto que deve preocupar os pais. Aquilo que é estranho nos comportamentos é uma criança que nunca se comporta mal - porque tem medo, limitações no seu contato com os outros - ou uma criança que não sabe viver de outra forma além de se portar mal. São estes dois extremos que devem ser motivo de alarme. Em certos casos, os pais devem moldar o temperamento do seu filho de modo a que ele tenha um comportamento que socialmente seja mais aceitável. A boa notícia é que é sempre possível. Não há casos de insucesso em disciplina, se as coisas forem feitas como devem ser. Aí, de certeza que aquela criança, dentro do seu próprio temperamento, vai passar a ter um comportamento mais adequado.

Qual a importância que esta noção de disciplina tem para a personalidade da criança?

    Mais importante que a disciplina por si só é que a criança consiga uma autodisciplina, ou seja, que interiorize esses valores como sendo seus. É a criança que se porta bem quando está junto dos pais e que se porta bem mesmo quando os pais não estão presentes, porque já incutiu os valores que estes lhe transmitiram. Quando ela própria já pode ensinar os irmãos mais velhos é a coroa de glória! A criança que assume esses valores está sem dúvida muito mais bem preparada para o que a espera, porque vai ser olhada pelos seus pares como uma pessoa com determinados valores, honestidade, com o que é importante que ela tenha, e vai estar mais bem preparada para as adversidades da vida.

E portanto vai tornar-se uma pessoa mais feliz?

    Sem dúvida. Ver ser uma pessoa mais independente, confiante, com autoestima, e fundamentalmente vai ser uma pessoa muito mais resiliente, pois vai ter uma capacidade de se adaptar às adeversidades da vida, ultrapassar as coisas que são más, valorizar as que são boas. A criança que vive no outro extremo, ou seja, que faz o que quer no dia a dia, quando se dá o caso de lhe surgir um problema, não vai ter a mesma estrutura em termos de personalidade para ultrapassar essa adversidade de forma construtiva.

Um fato é que hoje em dia os pais têm menos tempo e menos ajudas da família para educar os filhos.

    De há uns anos para cá, tenho cada vez mais a perceção de que as consultas de Pediatria servem também para os pais colocarem as suas dúvidas sobre como educarem e relacionarem-se com os seus filhos. Os pais trabalham muito, têm pouco tempo para os filhos, acham erradamente que o pouco tempo que têm não  pode ser feito de regras, nem com disciplina, o que está errado.

Por fim, qual a mensagem que gostaria de transmitir?

    Há um grande cuidado durante a gravidez para que tudo corra bem, para que a criança nasça e, depois de a criança nascer, há um grande trabalho com os cuidados físicos do bebé. Portanto, a grande mensagem que gostaria de deixar é que não se esqueçam, desde o princípio, que a disciplina e o amor que transmitimos vai marcar os nossos filhos para toda a vida. É importante que os pais ajam nesse sentido!




      Uma entrevista ao Dr. Paulo Oom, pediatra, doutorado pela Faculdade de Medicina de Lisboa. O seu quotidiano faz-se entre o ensino e a atividade clínica. Faz parte da Sociedade Portuguesa de Pediatria, além de ser Professor Convidado da Universidade Católica Portuguesa. Foi inclusive membro fundador da Associação Portuguesa de Saúde Escolar e Universitária. O seu recente livro Não Te Volto A Dizer! pretende aconselhar os pais dos nossos dias a educarem os filhos com tanto de amor como de disciplina.

Fonte: Nove Meses Magazine, texto de: Ana Margarida Marques

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