quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Reflexão acerca do filme “Te doy mis ojos” na perspetiva da Intervenção Sistémica Familiar


           As famílias multiproblemáticas têm uma forma de estar e de se relacionar muito própria, e apresentam uma série de comportamentos problemáticos estruturados, estáveis no tempo e bastante graves, incapazes de se distanciarem e de refletirem sobre as ocorrências e potencialidades próprias. Os seus comportamentos problemáticos afetam um número indeterminado de elementos, pois a família é um sistema e, portanto, o facto de um membro viver um problema tem impacto em cada um dos outros membros e no todo familiar.
Além destas características, apresentam geralmente, um baixo nível socioeconómico, encontrando-se no limiar da pobreza, são privadas a nível económico e cultural e são socialmente marginalizadas. Os comportamentos problemáticos mais detetados nestas famílias são, por exemplo, a violência, a toxicodependência, os maus tratos, a delinquência, o alcoolismo e o abandono das crianças.
Em relação à conjugalidade reina a desarmonia. Esta resulta da dificuldade que os cônjuges têm em estabelecer relações estáveis e igualitárias, chamada de simetria relacional, não conseguindo desenvolver relações complementares que lhes permitam encontrar no outro aquilo que lhes falta.
É verificável nestas famílias uma indefinição dos papeis de cada elemento do sistema, pois não estando estabelecidos, eles não são sólidos, não há consciência, não há respeito, nem controlo acerca dos mesmos.
Analisando o caso do filme “Te doy mis ojos”, a família protagonista representa uma família multiproblemática, que vivencia uma situação de violência doméstica, sendo a vítima a mulher, Pilar e o agressor, o António, ambos pais de Ruan.
Esta família encontra-se claramente no terceiro estágio do ciclo vital familiar -Famílias com filhos pequenos. Neste estágio há um processo emocional de transição que passa pela aceitação de novos membros no sistema. As mudanças desenvolvimentais nesta etapa são o ajustamento do sistema conjugal que permite a criação de um espaço para os seus filhos, a união do casal nas tarefas de educação dos filhos, mas também, nas tarefas financeiras e domésticas, e o realinhamento dos relacionamentos com a família alargada para incluir os papeis dos pais e dos avós.
Relativamente às funções intrínsecas da família protagonista, à uma vinculação saudável e de amor entre o filho e os pais. Na relação dos pais, apesar da  existência de problemas de violência doméstica, verificamos que há uma relação de amor.
Sabemos que a violência doméstica abarca comportamentos utilizados num relacionamento, por uma das partes, e que o agressor pretende acima de tudo controlar a vítima, é isto que o António pretende, pois não consegue controlar o ciúme, ciúme este que não tem uma razão de ser, pois Pilar sempre foi fiel ao marido, mas basta não atender uma chamada de António para que este alimente as suas desconfianças acerca de que a mulher o trai com alguém. Este é o motivo vigorante que levara António ao extremo, acabando por violentar a esposa. Uma outra razão que o levou à loucura, tendo humilhado a esposa funestamente, foi o sucesso profissional de Pilar, pois António temia a superioridade da esposa em termos profissionais e económicos, o que a tornaria independente e autónoma em relação a António. Esta é uma das principais causas de violência, o homem viola a mulher devido à relação de poder, designando a mulher como o sexo frágil, permitindo que o marido a controle, impedindo-a de participar ativamente na política, na vida social, na economia e no mercado de trabalho, de modo a tornar o homem o detentor do poder, e a mulher a sua submissa.
Apercebi-me de que os pais contribuem para a manutenção psicológica do filho e para a sua socialização, tanto com a família alargada como com os amigos, também transmitem-lhe valores e garantem a sua formação, a este nível não se encontram carências, tanto que Ruan nunca presenciou uma agressão, pois quando os pais discutiam, mandavam-no de imediato para o quarto.
Pilar aterrorizada com a situação, abandona o marido e refugia-se com o filho em casa da sua irmã mais nova, o marido procura-a em casa da cunhada e conversa com ela, desculpando-se e prometendo-lhe que tudo irá mudar e que não lhe voltará a agredir.
António procura ajuda psicológica, presenciando algumas sessões em grupo nomeadamente com outros agressores, e sessões individuais. Volta a aproximar-se de Pilar, oferecendo-lhe presentes, observando-a e controlando-a de longe, tendo até questionado o filho para tentar saber se a mulher saia com alguém.
Pilar cede e acaba por se encontrar com o marido, nisto ele promete-lhe um futuro melhor, e revivem de novo o seu namoro. Isto é o chamado ciclo da violência doméstica, que se apresenta em três etapas, a primeira é o aumento da tensão, em que as discussões e as ameaças do agressor  criam, na vítima,  uma sensação de perigo eminente. A segunda etapa é o ataque violento, em que o agressor violenta fisicamente e psicologicamente a vítima; e a terceira é a lua-de-mel, nesta etapa o agressor acarinha e dá atenção à vítima, desculpando-se pelas agressões e prometendo de que nunca mais a voltará a agredir. Contudo, este ciclo repete-se, até que a vítima decida abandonar o agressor definitivamente, foi o que Pilar fez, pegando no filho, abandona novamente o marido.
Depois de conhecer a problemática do sistema familiar, isso permite ao Assistente Social perceber a complexidade de cada família, pois cada caso é um caso, o que torna as famílias multiproblemáticas únicas e diferentes umas das outras em termos de estrutura e de funcionamento. Isto, deixa quase sempre, o técnico apreensivo com qual a decisão e a intervenção mais adequada para o sistema familiar. Após definidos os pedidos  expressos pela família, tal como os implícitos, o técnico parte para a definição de estratégias e metodologias, e adequa as metas, tendo em conta o tipo de família com que trabalha.
As famílias têm potencialidades para mudar os seus comportamentos, por mais fragilizadas que estejam, no entanto, a família é que decide se quer mudar, não é o técnico que toma essa decisão, ele apenas ajuda a realizar esse objetivo, dando-lhe orientações, reencaminhando-a para os serviços indicados.
Em suma, o principal objetivo do Assistente Social é automatizar as famílias, para que estas sejam capazes de resolver os seus problemas.

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